Fotografia de Cotidiano


A Fotografia do cotidiano tem sido muito interessante. coisas que a maioria das pessoas acha banal são transformadas em grandes acontecimentos nas foto. Em um perído em que expomos demais nosso dia-a-dia, eternizar momentos parece ser a coisa certa a se fazer.

            Existe uma beleza nas fotos pelo fato de aquele acontecimento ter sido registrado. Quantas coisas belas nós não vemos acontecer? O céu, com sua efemeridade característica é uma das belezas naturais mais ignoradas. Mas quando se compõe nuvens com a cidade ao redor, tenho a sensação que esses dois elementos passam a significar muito mais.

            Há um algo diferente nas fotos em preto e branco. A ausência de cor faz a gente se conectar com a foto pois ao perder a cor, o cotidiano perde sua característica ordinária e adquire tons de registro da história. O cotidiano adquire uma sensação de atemporalidade e distanciamento quer já somos acostumados coma s foto históricas. É como se o cotidiano adquirisse instantaneamente um status de historicidade latente. Acho que é essa minha busca fotografando os lugares aqui em Valparaíso. Além da vontade de praticar a fotografia, existe o desejo de registrar e compartilhar essa realidade em que vivo, me distanciando da efemeridade das storeis curtas e mais efêmeras ainda.

            E percebo que quanto mais fotografo as coisas por aqui, mas vontade eu tenho de sair para fotografar. Mais do que o vídeo, a fotografia é capaz de reter muito mais significado pois as boas fotografias são feitas para serem lidas. Existem algumas que exigem certo esforço para serem compreendidas (e aqui se encaixam muitos iniciantes na prática fotográfica) e existem outras fotos que a leitura é tão clara, que desperta uma sensação de deleite no olhar.

            Acontece uma conexão quando olhamso fotos claras, quando tudo age à favor da leitura da foto. Fotos com muitos ruídos nos distraem. Linhas que não interagem com o objeto distraem. Cores demais, Distraem. O que se busca não é a distração, mas a divagação sobre aquele momento retratado. Se a distração acontece, ela foi despertada pelas sensações que a própria foto desperta – é um transbordamento para dentro da foto. O que começa com distração inicia um novo movimento e ressignificação das imagens em memórias trazidas e tornando-se catalizadora de sentimentos e sensações que a foto pode despertar. Quando olhamos uma foto através da tela de um celular não temos tempo para divagar e ressignificar: elas não permitem que esse tempo de processamento da foto, pois da maneira como consumimos imagens hoje, espera-se sempre a próxima e a próxima. São os efeitos da banalização da imagem. A sensação simplesmente não penetra as pessoas, apenas as toca, às vezes impressiona, mas não costumam nos levar ao terceiro ponto: o da reflexão.

            Ler imagens é um processo. Hoje temos acesso a uma caralhada de imagens, algumas claras e outras nem tanto. A maioria é óbvia, talvez sendo essa linha de pensamento que eu quero explorar. Uma foto de um bolo recém saído do forno significa exatamente isso. Uma selfie pós-exercício representa exatamente o que ela propõe. É óbvia em seus sentidos e sua mensagem é tão expliícita que não exige esforço algum para ser interpretada. As fotos de comida e de publicidade, moda e ensaios contratados seguem essa mesma metodologia. E tá tudo bem. Ás vezes o que se precisa é mesmo de uma leitura fácil.

            As fotos óbvias do Instagram acontecem pela banalização do cotidiano aliada a uma solidão quase doentia que nos faz querer compartilhar o nosso café da manhã balanceado e postar que você sempre tem uma vida balanceada se torna quase como uma obrigação. E a gente ainda busca aprovação dos outros. E vamos usando esse recurso quando novas situações nos são apresentadas. As stories são a alternativa para trazer as pessoas para perto e para conhecerem como é a nossa vida. Essas imagens são efêmeras e apenas informam a quem consome, como é a vida das outras pessoas. É quase como ser a mosquinha e espionar os outros. Mas chegamos sempre ao ponto de perder o interesse pela vida do outro, porque afinal de contas, temos uma vida para viver! e esses produtos feitos-para-sumir não despertam interesse do ponto de vista histórico. em alguns anos talvez a gente rirá da bobageira das stories e rir ainda mais que todo esse matéria produzido se perde assim que vira o dia. Fica a pergunta: onde as stories vão levar as pessoas nesses tempos de quarentena? Há mais anúncios e iniciativas de transformas as stories em momentos alternativos. Qual vai ser o modelo que vai vencer essa corrida?

            A busca pelas fotos que são dignas de serem lidas acaba sempre me fazendo lembrar a impressão. Mais uma vez, imprimir fotos é trazer para o mundo físico algo que nunca mais vai se repetir, é “eternizar” um momento que pode ter durado uma fraçãozinha de segundo. A fotografia em preto e branco quebra com a expectativa da cor e permite que os outros elementos se destaquem. As texturas das coisas ficam muito bonitas quando não se tem que competir com alguma rosa colorida. Preto e Branco faz a gente imaginar as cores e essa é uma das formas de remover esses objetos fotografados no nosso censo comum. A ausência de cores faz a gente se preocupar com o cinza, o preto mais claro, o grafite na parede velha, o formato de milhares de folhas de grama, o céu cheio de nuvens cinzas ou espassas. O preto e branco te convida para a foto mas remove os objetos fotografados da realidade. Passa-se a ler a leitura de outra pessoa. No caso, lê-se a foto de alguém que é um registro físico de um olhar que observava determinado instante acontecer, através da câmera.

Quando saio para fotografar, sinto a sensação que tudo é fotografável. Eu tenho me permitido ver uma beleza singular desse lugar onde moro e redescobrer espaços por aqui tem me feito sentir cada vez mais parte dessa cidade. 












Publicado originalmente em abril de 2020



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