Conversas Anônimas

Meu dia foi cansativo. Andei muito, feito um burro desgraçado, carregador de entulho por aquela UnB. Chegando na rodoviária, só queria sentar no meu lugar no ônibus, ler o Praticamente Inofensiva de Douglas Adams e quem sabe, dormir. Torto, mas dormir.

Foi quando um rapaz, de porte atlético sentou do meu lado. 

- Pow cara, vou sentar aqui do seu lado, porque eu só caibo aqui. - Eu estava sentado no bando imediatamente depois do cobrador. Tem mais espaço para as pernas lá. Foi pelo mesmo motivo que eu sentei lá. - Nem pra ser uma gatinha né? - Ele falava o que eu acabara de pensar.

- Pois num é? - Retribuí, rindo da situação. - Nem pra ser uma daquelas vendedoras de loja de perfume! - Após as risadas e o fim da graça, mergulhei no universo do Arthur. 

- Que isso que você tá lendo? - Ele perguntou.

- Praticamente Inofensiva - mostrei a capa. - É o último livro da sequência do Guia do Mochileiro das Galáxias. É bem doido.

- É, já ouvi falar. Me disseram que é bem doido mesmo.

- Olha, pra você ter uma ideia eu leio algumas coisas e não dá pra entender de primeira, tipo essa aqui: - li este trecho aqui:

"Onde ficavam os sonhos naquele lugar? Pensou em todos os advogados que ocupavam metade do prédio, todos os agente que ocupavam os andares inferiores e todos os editores assistentes e suas secretárias e os advogados das secretárias e as secretárias dos advogados das secretárias, e o pior de tudo, os contadores e o Departamento de Marketing."

Ele gargalhou. E alto. Eu ri também.E aí começamos a conversar sobre a vida, o universo e tudo o mais, de uma forma tão entusiasmada, que eu tenho certeza que se alguém nos visse conversando, como a cobradora, faria o mesmo olhar estranho que a cobradora exemplificou muito bem, pensaria que um dos dois tinha fumado. Essa conversa entre desconhecidos sobre formas de viver e perspectivas de futuro, dava pra tirar várias conclusões. A primeira delas é que não é fácil escrever um livro. A segunda é que o ser humano é capaz de fazer coisas inimagináveis, bastando ele saber que pode fazer essas coisas. A terceira, é que somos suficientemente idiotas para fazer questão de fazer de conta que nós não somos capazes de fazer nada inimaginável e por isso nem mesmo tentamos. 

O jovem filósofo louco já saltou de pára-quedas e bungee-jump. Disse que botou na cabeça que queria ir,  arranjou uns contatos em São Paulo e foi. E pelo seu estilo e sociabilidade é fácil deduzir que ele, quando coloca alguma coisa na cabeça, não muda de ideia até fazer aquilo. Tem 21 anos e é funcionário público. Trabalha em um hospital, na área de UTI. (Deve ser bem estranho trabalhar tentando atrapalhar os trabalhos dela... A morte...)

Uma outra conclusão da nossa conversa, é que "O ser humano, é a matéria que mais tem potencial na Terra. Uma grama, por exemplo, nasce, cresce e retorna ao todo. Nós, nascemos, crescemos e continuamos sempre a crescer. Se voltamos ao todo, nascemos denovo e o ciclo recomeça... Nós que escolhemos ficar parados..."

Ou esta aqui: "Observe uma parada de ônibus: todas as pessoas esperam por um ônibus que vem de algum lugar, sempre o oposto de para onde vamos: para frente; Estamos sempre presos ao passado numa relação de ação-arrependimento..."

Velho, se você ler esse texto, desculpe por achar que você era doido por falar com alguém desconhecido. Talvez, eu estava vendo apenas a grande estampa da minha loucura em alguma camiseta de uma mulher gorda.

Por que nós seres humanos somos tão preconceituosos a ponto de olhar para alguém e pensar coisas ruins, tipo, "essa pessoa é doida!" só porque ela conversou com você. Converse mais com desconhecidos. Eles conhecem outros pontos de vista, e você não corre o risco de não saber o que aquela pessoa tinha para dizer.

Vlw!