Éguas
Quatro
éguas estavam sentadas numa mesa redonda de um bar. Diferentemente de outros
dias, aquele era de comemoração: era o primeiro dia em que todas elas
conseguiram se vingar dos donos exploradores. Uma a uma, foram relatando o que
aconteceu, começando com a égua que trabalhava como carregadora:
“Gente!
Essa semana o maldito do Josafá me fez puxar 400 kg de batata podre, de um
supermercado lá para a nossa casa. Fiquei 40 minutos puxando aquele lixo, mas quando
chegamos na frente de casa, percebi que as correias que me amarravam à carroça estavam frouxas.
Tratei de arrancar com força e assim desatar os nós. Resultado: batatas podres
espalhadas por toda a casa do infeliz. Eles ficaram dois dias para limpar tudo
e sumir com o cheiro!”
E
todas as éguas relincharam alto e bateram os cascos no chão comemorando o
feito. Alguns porcos da mesa ao lado olharam com reprovação. A égua aradora seguiu
contando:
“Ah!,
mas eu passei raiva também! Na quarta feira estava muito calor (e eu acho que
não fazia tanto calor há muito tempo!), e como de costume eu comecei a puxar o
arado cedo, assim que o sol nasceu. Trabalhamos o dia inteiro, mas eu sabia que
quando o sol sumisse no horizonte, tudo estaria acabado e eu poderia ir pro meu
estábulo de costume. O infeliz do dono da nossa fazenda queria que o campo
estivesse prontinho pra receber as sementes no outro dia, mas isso significaria
que eu morreria de tanto esforço! No fim das contas me obrigaram a trabalhar por mais
uma hora e meia puxando aquela merda! Eu puxei, mas no outro dia eu já recuperada, me recusei a trabalhar: fiquei deitada o dia todo. E claro,
eles tiveram que continuar a plantação com o lerdo do Faísca... Claro que não
deu nada certo!”
E
mais uma vez as éguas relincharam com fervor, incomodando os outros animais no
bar. Batendo o casco no chão, a esportista tomou a palavra:
“Olha,
todo mundo me conhece pelo que já fiz competindo. Na segunda feira, depois da competição
do domingo (que eu só não ganhei porque o Pedro ficava puxando as minhas rédeas
na hora errada), o Thiago me colocou no caminhão como se eu fosse um monte de bosta. Quando chegamos ao haras, ele decidiu que era a minha crina que atrapalhava na hora dos pulos! Veja que absurdo: ele pegou uma
tesoura e aparou a minha bela crina! Claro que eu comecei a me mexer e fazer
barulhos estridentes, mas não consegui evitar aquela tesoura maltida... Mas no outro dia me vinguei e
dei um coice no carro dele. Alí vai dar um prejuízo!”
E
juntas, mais uma vez relincharam comemorando o feito. Saíram do bar revoltados,
um casal de alpacas. Começou então a égua de passeio.
“Sinceramente,
garotas, eu A-D-O-R-O meu trabalho. Eu me divirto andando pela cidade e
divertindo alguns humanos. É bem legal. Mas infelizmente eu odeio crianças.
Quando elas montam na gente e ficam ali quietinhas é bem tranquilo, mas quando
elas resolvem nos fazer andar, Ah...” Ela deu um suspiro bem longo e pesaroso,
continuando em seguida. “Ontem teve um muleque que o pai colocou em cima
de mim. Eles tiraram algumas fotos, riram pra caramba. Mas resolveram andar
logo depois. A primeira coisa que a infeliz criança fez foi meter os calcanhares ossudos
nas minhas costelas pra ver se eu andava...”
“E
você andou?”, perguntou a esportista.
“Não. Pulei
e o muleque caiu com as bolas num corrimão ali do nosso lado. Deve estar
gritando de dor até agora!”
E todas as
éguas começaram a relinchar freneticamente, rindo do azar do
muleque-do-calcanhar-ossudo. Batendo os cascos no chão, elas faziam um barulho
insuportável para o ouvido sensível dos cães, que também deixaram o bar. “Gostaria
de propor um brinde!” Bradou uma delas, levantando a taça ao centro da mesa e
seguida pelas outras éguas.
“UM BRINDE
AOS SERES HUMANOS, QUE ACHAM QUE PODEM NOS FAZER DE GATO E SAPADO – sem ofensas
– MAS QUE NO FIM DAS CONTAS SÃO TÃO FRÁGEIS QUE NÃO SUPORTARIAM NEM METADE DA
QUANTIDADE DE TRABALHO A QUE NOS IMPÕEM. UM BRINDE, SUAS ÉGUAS, À ESTUPIDEZ
HUMANA!”
E
brindaram...
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