A Cidade Abandonada
Aquele
definitivamente não era o melhor lugar para dar uma volta. O sol quente e o ar
pesado intensificavam a impressão de que mato era a única coisa viva que
poderia sobreviver naquele lugar, e Patrícia não se sentia confortável com o
pesado traje que vestia. Antes de sair do avião, todos foram instruídos a
vestir essas roupas, feitas especialmente para a expedição. Assim, protegidos
da radiação, o grupo de dez pessoas poderia andar pela cidade por até duas
horas, contando com o tempo que eles levariam para voltar até o avião. Dos dez
integrantes, cinco foram moradores da cidade antes do desastre. Os outros cinco
eram algum tipo de especialistas responsáveis pelo sucesso da expedição.
Era a primeira vez em quinze anos que algum
ex-morador voltava àquelas terras. Ninguém ousou desrespeitar o alarme do
governo de evacuação da cidade, porque tudo foi muito intenso para todo mundo.
Naquela época Patrícia tinha 16 anos e estava faltado aula com seu namorado
Rafael, que também estava na expedição.
Muitas coisas
aconteceram quando o que o governo disse que era um meteorito caiu na escola da
cidade e destruiu tudo por lá. Ninguém na escola sobreviveu. Faltar aula
naquele dia salvou a sua vida.
No começo, as
estranhas notícias que vinham da cidade eram bem frequentes, sempre gerando uma
capa de revista de ficção científica ou matérias especiais sobre radiação e
invasões alienígenas. Nos últimos cinco anos, no entanto, a expedição era a
mais nova notícia. Ela foi planejada durante dezoito meses, por uma comissão
especial que realizou vários sorteios para decidir quem iria nessa expedição.
Eles já tinham robôs na cidade, mas já era hora de mandar alguém de carne e
osso verificar o estado do lugar. Os moradores seriam responsáveis pelo registro
visual do lugar e os especialistas checariam os robôs, e monitorariam a
radiação média do lugar. Só que tudo deu errado.
A primeira coisa que
se notou em Juuclantonn é que não havia radiação. Nem um traço, nem uma
emissãozinha, nada. A segunda é que os robôs não estavam funcionando
corretamente. Ou estavam fora do ar ou realizando uma atividade completamente
diferente da que eles deveriam estar fazendo. Logo depois que passaram pela
área de isolamento os sinais de rádio começaram a falhar. Se não fosse a
atenção de um dos responsáveis pela expedição, ninguém teria achado o abrigo
construído 15 anos antes
Patrícia queria dizer
algo, mas estava com muito medo para falar. Kelly, uma mulher resmungona que
morou do outro lado da cidade perguntou se ela poderia retirar o traje, mas
todos combinaram que ninguém tiraria, pois o que quer que estivesse errado com
a cidade poderia estar atrapalhando a captação das emissões de radiação pelos
aparelhos. Ela explicou que estava pesado e como estavam no abrigo eles
poderiam ficar mais à vontade. Ninguém falou nada e Kelly tirou o capacete.
Bastaram dois segundos para que ela se contorcesse e morresse. Foi um choque
só. Uns choravam, outros gritavam e outros tentavam pensar em o que fazer com o
corpo. Carregá-la e correr o risco de morrer também? Deixá-la ali e
seguir caminhando? Todos queriam levá-la, mas concordaram que era melhor ir sem
ela e todos pudessem sair de lá em segurança. Deitaram a mulher em uma das
macas no canto do abrigo, com as mãos colocadas sobre o peito.
Sorte ou não, um dos
especialistas encontrou galões de oxigênio em uma das salas do abrigo. Sem
muita dificuldade, todos conseguiram trocar o estoque de oxigênio puro; eles já
estavam no limite e longe do avião. Para sua sorte também, alguém já havia
pensado no possível apocalipse antes que ele acontecesse e providenciou tubos e
suprimentos enlatados para quem quer que precisasse quando estivesse dentro do
abrigo. Pegaram tudo o que podiam e entraram num corredor, feito de pedra e
aparentemente sem fim que levaria à saída norte da cidade.
Os nove restantes
seguiram túnel abaixo, que fazia uma curva para esquerda e depois subia.
Chegaram assim ao antigo centro da cidade, totalmente vazio e inerte, sem a
presença de animais ou insetos. Ao olhar para o centro da praça Patrícia repara
uma árvore gigantesca. Foi lá que ela beijou pela primeira vez, namorou pela
primeira vez, fez novos amigos... E é claro que Rafael notou o estranho olhar
de Patrícia.
“Que foi?”, Ele disse
olhando para a árvore.
“Foi lá que eu beijei
pela primeira vez!” ela respondeu, se perguntando se deveria ter mentindo. Uma
mulher nunca está 100% com certeza de alguma coisa. Sempre haverá uma industria
de cosméticos, para complicar ainda mais o trabalho de quem vai lá comprar apenas
uma base.
“Com quem foi?”
Rafael sabia o quanto aquela expedição afetava os sentimentos de Patrícia.
“Jorginho.”
“Aquele baixinho da
5ª série?” Rafael não conseguiu disfarçar a risada.
“Ah!” Ela riu também.
“Eu era mais baixa que ele!”
“HAHA!” Rafael
continuou andando, e parou ao lado de um poste de luz. “Difícil imaginar como
você...”
BUM. Um barulho alto
acompanhado por uma forte vibração no chão calou Rafael. Era como se outro
meteorito tivesse caído na cidade. BUM. BUM. BUM. Todos começaram a correr
desesperadamente em direção ao avião, que estava a vários metros do ponto onde
estavam. BUM. BUM. BUM. BUM. Eles conseguiram chegar no avião, mas a chuva de
pedras tornava a decolagem impossível. Tudo tremia.
“O QUE QUE ESTÁ
ACONTECENDO?” Patrícia gritou para Rafael, que estava do seu lado.
“SÓ PODE SER UM
ATAQUE!”
“MAS DE QUEM?”
“DE QUEM QUE NÃO NOS
QUER ANDANDO POR ESSA CIDADE.”
BUM. Uma das pedras perfurou o casco do avião,
seguida de outras três que destruíram a asa direita do pequeno avião.
“O QUE NÓS VAMOS
FAZER?”
Patrícia não
conseguiu ouvir, mas leu nos lábios de Rafael: “Rezar para não morrer...”. E
uma explosão destruiu o avião.
...CONTINUA...
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