Coisa de Minas
“Uai,
tí!? Ocê num vai querê cumê nada não?” Tia Vanda perguntou, esperando uma
resposta negativa. “Vô não, sô. Vim mais pra contar uns causo...” Tia Vanda que
nessa hora lavava uma panela, largou tudo e foi se sentar à mesa junto com Tio
Bonifácio e Joaquim, seu esposo. “É história lá do cemitério dinovo?” Ela
perguntou receosa. “Porque se for eu nem quero ouvir! Cruis-credo!” “Né não, Vanda...”
Tio Bonifácio a acalmou. “mas é história das cabeluda!”
“Eu
tava lá no quintal cuidano das pranta quando eu ouvi a mulhé gritano lá da
cozinha desesperada. Di primera eu achei que era rato e barata, mas quando eu
cheguei lá num tinha nadinha. Nem a Tereza tava lá. Fui achá a mulhé no chão do
quarto rezano pra Nossa Sinhóra. Parecia que ela tinha visto um fantasma, sô!”
Tio Bonifácio olhava nos olhos atentos dos ouvintes. “Chamei ela e ela nem
percebeu que eu tava lá do ladinho dela. Ai eu incostei o dedo no ombro dela e a mulhé
começou a gritar... ‘Qui qui foi, diabo?’ perguntei, né, tentando entender os
motivo de tanto estardaiaço. Sabe o que ela respondeu?” Tia Vanda negou com um
movimento da cabeça. “‘Ví um fantasma, Zé!’ Me arrepiei todin, purque nóis mora
pertinho lá da terra dos péjunto mais nunca que nóis acreditou nas história que
esse povo conta... mas dessa vez foi difícil num acreditar na mulhé. Ela
descreveu até as rôpa do defunto, e tava doidinha rezano.”
“E o
que que o sinhô feiz?” Tia Vanda perguntou querendo saber o restante da
história. Ela não acreditava em fantasmas, mas era muito religiosa e sempre ficava com a pulga-atrás-da-orelha.
“Uai,
vortei na cozinha pra vê se num tia ninguém lá mesmo e num tinha aí eu liguei
pro padre Almérico.” Tio Bonifácio disse sem pausar pra respirar.
“E o que que ele disse?” Era a primeira vez que
Joaquim falava e isso indicava que ele estava interessado.
“Ele
disse que num tinha nada desse negóço de ‘fantasma’ e falou pra mulhé continuar
rezano pra Nossa Sinhóra. Ai ela continuô rezano.”
“Só
isso?” Tia Vanda perguntou, frustrada.
“Calma,
sô!” Tio Bonifácio falou dando um tapa na mesa. “Depois iscureceu e nóis foi
durmi, e a mulhé ficou aguniadinha... Aí piorô.” Tio Bonifácio pôs as mãos na
mesa e com os olhos fixos nos ouvintes, continuou. “No mei da noite a mulhé
começô a gritá dizeno que tinha um homi no quarto e apontava prum canto e eu
fiquei desesperado prá tentar entender.
E aí,” Tio Bonifácio levantou da cadeira em que sentava e aumentou o tom
de voz. “foi quando eu ví que uma faca vuava sozinha no ar mirano pra mulhé
como se alguém estivesse segurando quereno matá ela” Tio Bonifácio segurou uma
faca imaginária acima da cabeça e pulou na frente de Tia Vanda, que levou as
mãos ao peito e prendeu a respiração. “e como se tivesse pulado na mulhé a faca vuadora foi na
direção dela, mais antes que ela incostasse na mulhé, eu pulei e num sei como a
faca caiu na cama.”
“E
ai?” Tia Vanda perguntou com o coração na boca.
“Aí
nóis foi correno pra igreja” Tio Bonifácio sentou novamente. “mas o isprito num
isperou nem dois minuto pra começá a mexê as cadera e balançá os lustre da igrejinha...” Tio Bonifácio sentou novamente. “O padre
Almérico já saiu da sacristia benzeno a igreja toda e gritando uns pai-nosso e
umas ave-maria pros demônio que tava lá na igreja.”
“Ave-maria,
tí!” Tia Vanda se levantou e voltou para as panelas. “Num gosto dessa suas
história de cemitério!”
“Calma!”
Tio Bonifácio falou, abanando a mão na direção de Tia Vanda e continuou. “Di
repente tudo parou. E o padre Almérico disse que tava tudo bem agora. Aí nóis
foi pra casa mas ninguém dormiu.”
“Os
minino tão sabeno, tí?” Tia Vanda perguntou, lavando uma panela e olhando pela
janela.
“Liguei
pro Thiaguin e contei pra ele.”
“E
ele?”
“Falou
pra nóis rezá...”
“E
ocês rezáro?” Joaquim perguntou.
“Dêxa
eu terminá a hitória!” Disse enquanto esperava Tia Vanda voltar à mesa. “Aí
nóis vortô pra casa e a mulhé parecia mais tranquila... Depois de rezá umas cem
ave-maria que o Padre Almérico falou pra nóis rezá, já tava de dia e ninguém
quis durmi, mais a Tereza tava tão cansada que acabou durmino, tadinha.” Tio Bonifácio
se levantou e ficou perto da mesa, com as mãos apoiadas na cadeira e pensou que
devia ter aceitado a oferta de almoço; estava com fome.
“E
parô tudo mesmo?” Tia Vanda perguntou.
“Por
três dia num teve mais nada.” Tio Bonifácio sentou. “Mas ai na noite do quarto
dia começô a fazer um barulho nas teia da casa.”
“Curuiz!”
Tia Vanda exclamou tentando evitar os arrepios no corpo.
“Mas
aí eu lembrei de uma coisa. No almoço do quarto dia a Tereza tinha usado uns
tempero que ela comprô na fêra no dumingo... E tinha usado também prum almoço
pro Padre Almérico...”
“E
aí?”
“O
trem tava istragado, sô!” Tio Bonifácio começou a rir. “Nóis tava imaginano
tudo!”
“Aí
eu liguei pro Thiaguin denovo e ele me falô que eu tinha que ir no hospital pra
falar com o Doutor André e ele ia passá uns remédio pra nóis...”
E
todos riram, Tio Bonifácio foi embora,
Joaquim foi tratar dos porcos, Tia Vanda terminou de lavar a louça e, escondida, jogou fora
o pote do tempero novo que Tereza disse que era Ó-TI-MO...
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Tags: assombração, minas gerais, cemitério, demonio, crença, exorcismo, exú, historia de terror, morto-vivo, the waking dead, chico xavier, tempero, cogumelo alucinógeno, viagem.
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