O Tarado do Lago Norte


Pedro Thiago chegou em casa feliz, carregando um jornal debaixo do braço. Ele não gostava de ler, mas aquele era especial: era o primeiro jornal que estampava uma foto sua, um flagrante que ele tanto trabalhou para acontecer, e que ainda lhe rendera o email do editor geral daquele grande jornal. Gritou por sua vó, que geralmente costurava no quarto dos fundos da casa.

QUE QUE É, MENINO? A senhora de 50 e poucos anos respondeu de longe e gritando também.

VEM CÁ! Pedro Thiago abriu o jornal em cima da mesa de forma com que a vó lesse a manchete em letras garrafais logo que entrasse na cozinha. Esperou alguns segundos, e tornou a gritar. – VÓ!

A senhora entrou carregando uma pilha de roupas.

Tem coisa aí na mesa? – Disse sem esperar a resposta, manobrando para despejar tudo. Pedro Thiago quase não teve tempo pra retirar o jornal.

Agora não tem mais. – Pedro Thiago dobrou o jornal e quando terminou, estendeu o braço com o jornal na mão em direção à sua vó. – A senhora viu o jornal de hoje?

Uai, não! – a senhora tranquila puxou uma cadeira e se sentou. Pedro Thiago fez o mesmo. – Tem alguma notícia importante?

Tem sim! – Pedro Thiago sacudiu a mão, encorajando a vó a pegar o jornal.

A mulher leu a capa do jornal em voz alta.

TARADO É FLAGRADO ESTUPRANDO
MULHER DE 60 ANOS NO LAGO NORTE

 A senhora abaixou o jornal, respirou fundo e olhou para o neto.


– Credo!

E aí? – Pedro Thiago esperava algum comentário.

Que notícia ruim! – A senhora entregou o jornal de volta e limpou as mãos no avental que vestia. – E que foto horrível!

Nossa, vó! – Pedro Thiago disse ofendido; batalhou muito para conseguir a foto naquele ângulo, sem falar no tempo que ele levou para conseguir publicá-la.

O quê? A foto é sua?

Por que a senhora acha que eu tô te mostrando o jornal?

Sei lá... – Uma parte da mente perturbada daquela senhora estava procurando uma forma de contornar a situação e a outra ainda estava em choque por causa da foto. – A foto em si está boa, Pedro, é que ela me incomoda bastante...

Entendo... – Ele continuava ofendido e não entendia coisa nenhuma. Ignorou. – Fui contratado por eles!

Que coisa boa! – Era como se o susto passasse e a senhora voltou a atenção para a pilha de roupa. – Você podia me ajudar a separar as cuecas aqui, né?

Opa... – Pedro Thiago se levantou como alguém que acaba de lembrar de um compromisso inadiável. – Tenho que ir lá na redação do jornal... Sabe como é, preparar matérias, tirar umas fotos... Essas coisas que jornalista faz...

Ele deixou o jornal na mesa.

Não vai levar? – A senhora perguntou.

Não. Vou deixar aqui para a senhora ler depois... Tenho outro na mochila.

E saiu.

Pedro Thiago foi para a casa da menina que ele pegava e depois de ficar com ela até dizer chega, dormiu.   Quando acordou estava passando Jornal Nacional. A menina – menor de idade – assistia atenciosa.

Vendo jornal? Achei que você não gostava da Patrícia Poeta...

Ele se sentou na cama.

E não gosto... - Ela parecia amedrontada. – Tava pulando pelos canais quando ví eles anunciando que o tal Tarado lá do Lago Norte foi preso...

Ele arregalou os olhos.

Como é que é? – O coração de Pedro Thiago acelerou. Algo estava errado. – Impossível!

Parece que alguém reconheceu a foto no jornal e denunciou para a polícia...

Pedro Thiago se levantou e botou a calça. Sentiu as gotas de suor surgirem na sua testa.

Cê tá bem, Pedro? – A moça se aproximou preocupada. – Cê já vai?

Lembrei que minha vó precisa de mim agora à noite! – Pedro Thiago terminou de vestir a roupa sem perceber que estava toda ao avesso e saiu.

Ele não foi  para casa. Passou pelo parque da cidade e ficou zanzando por lá até umas 23 horas. Foi quando o seu celular tocou.

Alô? – Pedro Thiago atendeu com a voz trêmula.

Pedrinho, é a vovó... – A voz dela estava calma, mas o tom preocupado era evidente. – A polícia teve aqui em casa te procurando... disseram que você estava ligado ao caso do tarado... disseram que você tinha forjado tudo... Que história é essa? ... Pedro? Cê tá aí? Pedro Thiago?

Após ouvir que era procurado, Pedro Thiago foi para a ponte JK sobre o lago da cidade e se atirou de lá. O tarado era na verdade Jorge, seu amigo, que ele havia pago pra fingir que estuprava outra amiga, para poder tirar a foto e ficar famoso. O que ele não esperava no entanto, era que sua avó reconhecesse o casaco rasgado de Jorge que ela sempre insistia em costurar...

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