A melhor terra que há


“Num aguento mais essa cidade, vó!” Fernando disse, procurando algum argumento diferente de ‘Eu tô cansado desse cheiro de esgoto!’ ou, ‘Eu já aprendi o carimbó, agora me deixa ir conhecer o funk!’. Mas soltou apenas: “eu quero conhecer lugares novos!”

“Oxi, minino!” D. Tereza, de 60 e poucos anos começou a falar, sua pele amarronzada brilhando com o suor. “Teu pai já num ti levastis a Belém?”

“Affe, vó! Mar num é di Belém qui tô falano...” Fernando estava com pouca paciência para grandes e elaboradas argumentações. Foi direto ao ponto. “Eu quero sair do Pará!”

“E por que diabos tu queres sair do Pará?” A senhora indignada, falava rápido. “Aqui é o mélhor lugar pra se viver!” 

Duas mulheres passaram comendo alguma coisa. D. Tereza olhou para elas, continuou seu caminho e começou a falar. “Olha só,” ela mostrou a mão, contando com os dedos, “aqui no Pará tem camarão...”

“Tem isso nos outros lugar também, vó. Já ví na Globo.” Fernando disse rispidamente

“Mar num tem Tacacá!” D. Tereza lutava pra argumentar e Fernando pôde ver uma veia pulsar em sua testa. “Tu achas que tu vais encontrar goma certinha e jambu fora daqui? Num vai!”

“Mas num é de comida que tô falando, vó!” Fernando pausou a caminhada e pegou uma pequena concha na areia. "Quero ver gente nova...”

“Ôxi, mar tu num vistes os turistas no mercado lá na cidade? Toda semana tem, principalmente no sábado, quando...”

“Ah, vó eu sei... Quando os pescado amarelo chega...” Fernando atirou a concha ao mar. “A senhora por acaso já conversou com eles?”

“Só quando eles pede informação dos caranguejo que eu e seu avô vende. Eles adora ver a gente quebrano os bichin...”

“Mas a senhora nunca falou de nada além disso?”

“Dizia também que teu avô adorava caranguejo cozinhado vivo... Dava uma dó...” 

“Quero ver coisa nova, vó!”

“As minina trouxeram uns brinco lá de Bragança, si tu quiseres ir lá na casa delas...” D. Tereza falava distraída, ajeitando a bolsa que carregava no ombro.

“Ah...” Fernando estava quase desistindo. “Um amigo veio de São Paulo e disse que as cidades lá nenhuma fede esgoto.”

“Mar também eles paga uma fórtuna pra isso...”

“E disse que os chuveiro são tudo elétrico. Num tem nenhum sem água quente.”

“Isso é porque lá faz frio demais, meu filho...” D. Tereza apressou o passo; o sol saíra de trás das nuvens e queimava suas costas, acentuando a imagem do calor que a ela criara em sua mente; tirou uma garrafa de água da bolsa e após beber, entregou para Fernando, que bebeu também.

“Tá longe, vó?”

“Tá não, os minino foram comprar os côco lá naquela venda.” Ela apontou para uma barraca de palafita. Era pequena, comparada com as outras centenas que se amontoavam lado-a-lado ao longo da praia.

“Lá num deve ter côco igual os nosso, né?” Ela disse, quando chegou à escada que levava à barraca.

“Tem não...”

“E açaí?˜

“Ví na internet que é diferente e caro...” Fernando, disse, sentando-se em uma das cadeiras de metal disponíveis. D. Tereza ia responder algo mas Fernando interrompeu dizendo que era caro mas que era tudo do Norte.

“E Maria do Rosário? Tem?” D. Tereza perguntou, olhando diretamente nos olhos do neto.

“Essa aí, vó...” Fernando olhou para o chão. “num tem em lugar nenhum.” E entrou na barraca sentindo um nó na garganta que nem a maior distância poderia desatar. Ignorando os primos, sentou-se ao balcão.

“Maria do Rosário...” foi o que Fernando sussurrou antes de pedir uma dose bem forte de qualquer coisa alcoólica que o barman lhe oferecesse...