Novo demais para ver a morte
Já passava das nove. Era manhã ensolarada de quarta-feira naquela cidade de poucos prédios e muita gente. Na movimentada avenida, sombra de um lado e do outro, toldos estendidos impediam que a luz direta do sol ou cegasse ou derretesse quitutes de chocolate numa vitrine qualquer. Não haviam muitas crianças, mas as poucas carregadas até aquele lugar faziam as honras de deixar o lugar um pouco mais colorido e animado. E foi um desses pequenos que primeiro avistou o pobre do Roberto jogado no chão na frente do Edifício Gorete.
Perto de uma lixeira de lixo orgânico o pobrezinho respirava com dificuldade; dava pra ver o peito subindo e descendo tremulando a cada arfada. A boca aberta e a língua para fora, já seca por exposição, denunciavam o sofrimento do pobre coitado. Mas eram os olhos o que mais comovia: olhavam profundamente nos olhos de quem passava e ignorava; as sobrancelhas caídas nos cantos. A criança que esperava a mãe sair do prédio tentava ler-lhe os pensamentos. Mesmo sem saber o porquê, sabia o que aquele olhar significava. Medo de morrer.
Roberto passara a noite vagando pela avenida, procurando algo para comer nas lixeiras espalhadas pela calçada. Encontrou dois pedaços de pão e alguns restos de comida japonesa. Ele odiava peixe crú (achava o cheiro forte demais), jogou fora o que ele achou que era sushi e engoliu os pães de uma vez para evitar o possível gosto de estragado. Talvez ele devesse ter sido mas cuidadoso, pois que os pães do lixo da padaria estavam encharcados de veneno para ratos.
O suplício não tardou a começar. Respirava com dificuldade e, cambaleante, achou um balde de água esquecido do lado de fora da loja de flores e bebeu quase tudo. Resolvendo descansar, imaginando que melhoraria com o sono. Fechou os olhos mas não dormiu. Vagou, delirante, até as proximidades do Edifício Gorete e acordou horas depois já sem controle de seus membros e com calafrios horríveis. Morria.
Toda vitalidade de seu corpo se esvaía cedendo à pressão arrebatadora do veneno, que lhe consumia os órgãos, um por um. Cada inspiração lhe parecia uma dezena de chutes e tapas diretamente no coração. A cabeça lhe doía gravemente. Tossiu. Olhou para o menino que lhe observava. Sentiu gosto de sangue na boca. Sentiu a pressão da cabeça no chão gelado. Sentiu que eram seus últimos momentos. Tentou latir novamente, mas no lugar da clássica explosão canina, sofrido gemido lhe escapou a garganta seca. Lembrou de sua antiga casa. Desesperou-se. Tremia. A mãe da criança saiu do prédio e percebendo a deplorável situação, tapou-lhe os olhos. Era novo demais para ver a morte.
Roberto concordou. Fechou os olhos e, sem perceber, a vida já não lhe era mais companheira...
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Perto de uma lixeira de lixo orgânico o pobrezinho respirava com dificuldade; dava pra ver o peito subindo e descendo tremulando a cada arfada. A boca aberta e a língua para fora, já seca por exposição, denunciavam o sofrimento do pobre coitado. Mas eram os olhos o que mais comovia: olhavam profundamente nos olhos de quem passava e ignorava; as sobrancelhas caídas nos cantos. A criança que esperava a mãe sair do prédio tentava ler-lhe os pensamentos. Mesmo sem saber o porquê, sabia o que aquele olhar significava. Medo de morrer.
Roberto passara a noite vagando pela avenida, procurando algo para comer nas lixeiras espalhadas pela calçada. Encontrou dois pedaços de pão e alguns restos de comida japonesa. Ele odiava peixe crú (achava o cheiro forte demais), jogou fora o que ele achou que era sushi e engoliu os pães de uma vez para evitar o possível gosto de estragado. Talvez ele devesse ter sido mas cuidadoso, pois que os pães do lixo da padaria estavam encharcados de veneno para ratos.
O suplício não tardou a começar. Respirava com dificuldade e, cambaleante, achou um balde de água esquecido do lado de fora da loja de flores e bebeu quase tudo. Resolvendo descansar, imaginando que melhoraria com o sono. Fechou os olhos mas não dormiu. Vagou, delirante, até as proximidades do Edifício Gorete e acordou horas depois já sem controle de seus membros e com calafrios horríveis. Morria.
Toda vitalidade de seu corpo se esvaía cedendo à pressão arrebatadora do veneno, que lhe consumia os órgãos, um por um. Cada inspiração lhe parecia uma dezena de chutes e tapas diretamente no coração. A cabeça lhe doía gravemente. Tossiu. Olhou para o menino que lhe observava. Sentiu gosto de sangue na boca. Sentiu a pressão da cabeça no chão gelado. Sentiu que eram seus últimos momentos. Tentou latir novamente, mas no lugar da clássica explosão canina, sofrido gemido lhe escapou a garganta seca. Lembrou de sua antiga casa. Desesperou-se. Tremia. A mãe da criança saiu do prédio e percebendo a deplorável situação, tapou-lhe os olhos. Era novo demais para ver a morte.
Roberto concordou. Fechou os olhos e, sem perceber, a vida já não lhe era mais companheira...
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