Através da Câmera

 

Fotografia é um processo muito peculiar e talvez ainda não entendamos os desdobramentos que essa prática terá na nossa sociedade nas próximas décadas. A realidade que vemos tem muitas nuances além daquela que vemos com o sentido da visão. O carro na rua, o som distante da academia, os pássaros nas suas árvores e até o som da cidade que pulsa viva. A boa foto é capaz de isolar os elementos visuais de forma tão simples que podemos ouvir os sons, tocar as texturas, sentir os gostos e cheiros e principalmente, conectar com o ser humano representado na imagem.

 

Quando a fotografia é relato, testemunho, existe uma sensação de entrar e uma dimensão paralela, como janelas que se abrem na cabeça da gente. Atravessamos essas janelas buscando sentir tudo o que o fotógrafo sentia ao tirar a foto. É olhar através dos olhos de alguém. Mesmo modificadas, tenho a sensação de que quando alguém pega uma câmera qualquer para fotografar entramos na cabeça dessa pessoa, os filtros ou photoshops são modificações que a pessoa faz para deixar a foto mais bonita, agradável a seus próprios olhos. Olhar a foto dos outros é um pouco como acessar a subjetividade visual de cada um.

 




Cada pessoa vê um mundo diferente e a pluralidade de pessoas reflete a pluralidade de pontos de vista. Como se fotografa muito mais do que se posta, os perfis de Instagram são capazes de proporcionar verdadeiras experiências de contato coma autoimagem das pessoas, um processo de construção do nosso eu imagético escolhendo como será visto. Em níveis técnicos diferentes, quem se aventura pela arte fotográfica na forma de um hobby ou um interesse despretensioso, de registrar o que vê, inicia um processo de externalização (ou materialização, mesmo que digital) da própria forma de ver o mundo. O que o instagram proporciona hoje é uma janelinha para a realidade dos outros. E cada um no seu próprio estágio de domínio da técnica. Cada um mostra o que é belo aos próprios olhos.

 

Em um post de um fotógrafo famoso no instagram, falava-se sobre a independência que algumas fotos adquirem quando são bem feitas. Bresson chamou de instante decisivo, comparando-a a flecha disparada. Esse texto conduziu as pessoas a dois processos, que explorei individualmente: Pessoas que conhecem outras pessoas que fotografam as marcavam, trazendo-as para o post. Isso demonstra que quem marcou, acredita que a pessoa tira boas fotos e se identifica com o texto por expressar uma forma de explicar porque acha as fotos da pessoa boas. Acessando esses perfis, encontrei muitas fotos incríveis de pessoas anônimas como eu. Cheguei a este post, inclusive, sendo marcado e chamado à discussão pelo meu namorado. Vi muitos posts incríveis, verdadeiras obras de arte (às vezes uma no meio de muitas tentativas) mas que representam uma escolha pessoal de mostrar e tem uma beleza única. É ver como se olha através de uma janela.


O segundo processo é o de pessoas que gostam e praticam a fotografia despretensiosamente (ou pretensiosamente) e entraram na discussão, comentando suas próprias concepções sobre a fotografia. Aqui experienciei algo muito interessante e poderoso: Quando eu lia os comentários de definição de alguém e visitava o seu perfil, eu conseguia visualizar, baseando-me na definição dada, a realidade da pessoa como ela vê, o que ela acha bonito. Se digo que a fotografia é mágica, minhas fotos tendem a expressar um maravilhamento do desconhecido belo. Acho que só outros praticantes da magia entendem. Se defino a fotografia como estudo da técnica, verei várias fotos com o mesmo tema. E assim vai... Visitei vários perfis tentando identificar os padrões nos perfis, entendendo primeiro a busca que a pessoa faz, entender em seguida o que a pessoa acha belo dentro dessa busca pessoal para então procurar as melhores fotos que expressem a prática e busca daquela pessoa. Dá para ver através dos olhos de alguém quando se entende a busca que a pessoa está fazendo. É o studium de Barthes.

 

Gosto das fotos que causam a impressão de ver através dos olhos. A edição traz a impressão de que não há edição. Ela ajuda ainda a trazer à foto a realidade que o fotógrafo vê. Existe uma fidelidade com as luz, com as sombras e todo o processo entre as duas. A busca do belo aqui, é tornar a foto fidedigna ao que se vê com os olhos e que a câmera não consegue captar. A edição é, assim, ferramenta que o fotógrafo utiliza para alcançar uma realidade desejada incapaz de ser retratada somente com a câmera. Eu por exemplo, entendi qual o tipo de imagem que considero expressar como eu vejo uma coisa, o que se dá através do controle das sobras e das cores.






Quando se alcança essa fidelidade desejada, o cérebro não se preocupa mais com a "falsidade" da imagem fotográfica e se permite entrar na imagem e adicionar as outras informações sensoriais que não temos através da foto. Sente-se como quem sente na imagem. Sente-se lá, testemunha ocular. Tridimensionalmente inserido ali. É quando cor, luz, sombra e foco mostram o que queremos mostrar e nosso cérebro diz apenas: "Ok, é isso." É ver pelos olhos do outros através da imagem, através da câmera, através dos olhos a realidade do outro. É literalmente, perceber o mundo como o outro percebe, num processo de "licença" da própria forma de ver o mundo.

  

Por estar relacionada ao modo como o fotógrafo percebe o ambiente, a fotografia funciona então como dispositivo de visualização de uma determinada realidade, permitindo que vejamos o mundo como veríamos se fôssemos aquela pessoa. Ela permite, assim, uma experiência imersiva e potencializa a experiência de se colocar no lugar do outro. Não tem como fazer algo feio ficar bonito. O belo está em mostrar a realidade como ela está.

 

A busca de quem fotografa o cotidiano é sempre mostrar a beleza efêmera do comum. Essa é a minha fotografia: encontrar a beleza no que eu vejo tal como ela é. Ou o feio. Ou o engraçado, o incomum e tantas outras coisas que simplesmente acontecem no mundo.







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