#1 A Corrida


 Logo que Amanda acordou, percebeu que aquele era um bom dia para correr: o clima era ameno, havia poucos carros e ela tinha passado uma ótima noite. Fez tudo como sempre fazia. Ligou a cafeteira para que quando terminasse de tomar banho, seu chá estivesse pronto. Sempre colocava mate no lugar do pó “preto e fedido” como costumava dizer. O banho era cronometrado, e durava sempre 8 minutos e 35 segundos (os últimos segundos era o tempo que ela levava para se secar). Para se vestir, ela dedicava 10 minutos. Amanda não se importava muito em combinar roupas nem calçados.  Vestiu sua roupa de corrida e o velho tênis que seu pai havia lhe dado de presente. Botou um boné verde para se proteger do sol, e ajeitou seu fone de ouvido. Depois de devidamente arrumada, tomou o chá, comeu um pedaço do pão que ela mesma fazia, ligou o mp3 player e saiu de casa.

 A cidade estava parada, como ficava em todos os domingos, mas mesmo assim Amanda resolveu correr no acostamento da rodovia que cruzava aquela cidade. Dia ou noite, o trânsito era sempre um caos: a rodovia ligava duas grandes cidades da região, e a cidadezinha, ficava bem no meio. Apesar do movimento, ela gostava de correr por ali: sentia-se duzentas vezes mais bonita quando os viajantes buzinavam para ela. 
 
A corrida durava aproximadamente 2 horas. Uma hora pra ir até o limite da cidade e outra hora para voltar. Dificilmente ela encontrava algo que lhe chamasse atenção. Uma vez viu um pássaro com a asa quebrada e tentou ajudar. Pediu carona na beira da pista, e o primeiro motorista parou. Como ele achou que ela queria se prostituir, ficou surpreso quando Amanda colocou o pássaro machucado no banco do passageiro e mandou que ele o levasse a um veterinário na cidade. O homem protestou, Amanda simplesmente ignorou e continuou sua corrida. Só que aquele domingo era o dia em que ela encontraria algo muito diferente.
 
Enquanto voltava para casa, no momento em que seu mp3 player parou de tocar por falta de bateria, ela ouviu um barulho logo atrás. Virou-se rapidamente, mas não viu nada. Pensou em procurar na vegetação pela fonte do barulho, mas seu coração ainda estava acelerado pelo susto. Voltou ao seu caminho, e quando se preparava para correr, o barulho se repetiu. Amanda olhou rapidamente e viu que há alguns metros, a vegetação estava revirada. Foi verificar o que era: pegou um galho de arvore e o segurou de maneira ofensiva, com as duas mãos. Embora Amanda estivesse nervosa, mantinha a respiração calma e ritmada, mas não conseguiu segurar um calafrio quando o barulho ecoou mais uma vez, dessa vez bem  próximo. Por um instante ela pensou que era uma voz, de alguém suplicando, pedindo ajuda... 
 
Amanda seguiu a trilha de mato revirado logo à frente e verificou que o som vinha de uma vala, de aproximadamente três metros de profundidade por 10 metros de comprimento. Olhou cuidadosamente a partir da beirada, e quando se esticava para poder ver o  que havia mais ao fundo, o solo cedeu e ela caiu. Bateu a cabeça em uma pedra, e de repente, tudo ficou escuro...
Quando acordou, a primeira coisa que Amanda fez foi verificar o relógio. “Dois minutos”, pensou. Levantou-se tonta e com uma forte dor de cabeça. Olhou à sua volta, e desejou não ter saído de casa. A profundidade da vala não impedia que a luz do dia chegasse até ela, mas criava uma estranha penumbra, provocando calafrios em Amanda. Ao olhar para cima, só viu mato. Ela pegou o celular e discou para seu pai, um comerciante da cidade.
 
– Oi filha, tudo bem? – Seu pai respondeu calmamente.
 
– Oi pai, – Amanda mantinha a voz firme com dificuldade. – estou com um probleminha.
 
– O que aconteceu? – Amanda percebeu o crescente tom de preocupação na voz do pai.


– Ah, fui fazer uma investigação no meio do mato e acabei caindo numa vala...
 
– INVESTIGAÇÃO!? – Bradou. – Ah, você denovo com essa história! – O pai de Amanda estava furioso.

– Ah, pai, pode parar! Não é hora pra isso...

 – Oras! Você me liga me dizendo que está presa numa vala no meio do mato e não quer que eu brigue com você?
 
– Olha, pai... – Quando Amanda se preparava para revidar, o estranho barulho se repetiu, bem à sua frente. – Pai, tem um homem ferido aqui. 

 – COMO É?
 
– Vem aqui me buscar, mas traga uma ambulância para ele. Ele está com um machucado feio na cabeça.

 – Onde você está?

 Após dar as instruções para seu pai, Amanda examinou o homem: Bem arrumado, segurava um buquê de flores na mão esquerda e uma pequena caixa na direita. O corte na cabeça era sério, mas o sangue no seu rosto já estava seco e Amanda concluiu que já havia passado algumas horas desde que o homem estava ali. Chamou por ele, mas o homem falava alguma coisa sem sentido. Era aquele barulho que Amanda tinha ouvido. 

 – LARA! – O homem gritou de repente, e caiu desmaiado. 
 
Assustada, Amanda se afastou do estranho e esperou pelo resgate, olhando  para uma fileira de formigas que carregava para dentro do formigueiro, o cadáver de um grande grilo com notável dificuldade...



  

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